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Cura Gay e Manicomios. O que isso tem em comum?

Atualizado: 19 de mai. de 2020


As recentes notícias retratam um problema muito antigo, na verdade, um problema que faz parte da história da humanidade desde os primórdios.

As discussões sobre a tal da “Cura Gay” despertam os mais acirrados debates, muitas vezes mais calorosos do que polidos. A lei que permite a volta dos manicômios curiosamente é aprovada simultaneamente à exposição sobre Nise da Silveira, no Itaú Cultural, em São Paulo[1].


Talvez todos saibam, mas vou relembrar, que homossexuais foram considerados perturbados mentalmente, desde o século XIX, qnado o psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing definiu a homossexualidade como uma doença degenerativa. Desde então, homossexuais puderam ser trancafiados em manicômios e excluídos da sociedade durante muito tempo, até que a OMS - Organização Mundial da Saúde, apenas há trinta anos atrás, retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças.


A doença mental e a sexualidade humana sempre enfrentaram tabus e preconceitos, e mesmo que alguns de nós possam se sentir orgulhosos do progresso econômico e cultural em que vivemos, há controvérsias.


O progresso da humanidade não é linear, andamos um passo à frente, dois atrás, às vezes vários passos atrás antes de darmos um novo passo à frente, num vai-e-vem de mudanças e retrocessos.


A tal da “Cura Gay” sofre, veja bem, sofre mesmo! das mais variadas interpretações. Uma delas é de que os gays precisam de terapia para deixar de ser gays. De outro lado, a terapia ajudaria gays a se aceitarem e a terem uma vida mais plena. Estas duas posturas tratam os gays como seres incapazes de decidirem seu próprio destino ou como conduzir seu próprio tratamento, se é que realmente o desejam.


Parte da sociedade quer que os gays desapareçam, seja pela “cura”, seja pela não exposição na mídia, que tem sido criticada por parte da população, e apoiada pela outra.

Jung diz que toda atitude unilateral desencadeia sua atitude oposta, para que se busque um equilíbrio, mas antes do equilíbrio, há conflito, desavenças e tentativa de controle e domínio da polaridade oposta. No entanto, só se integra e elabora um conflito analisando o interesse de todas as partes, pois toda repressão causa uma revolução, que nos faz lembrar de que a outra polaridade existe.


Agora vocês devem estar se perguntado, afinal de contas, o que a volta dos manicômios tem a ver com isso?

Tudo!


Doença mental implica em diferença, no desafio de aceitar e compreender o outro, tanto quanto a diversidade sexual. O “louco” trás à tona a diferença, a desordem, incomodo, nos tirando de nossa zona de conforto. A homossexualidade também.

O diferente assusta, constrange, desafia meu repertório de pensamento e de ação, já que não sei nem o que dizer, muito menos o que pensar diante do diferente. Mas o diferente desencadeia duas polaridades antagônicas, o repudio e o fascínio.


Homossexuais, transgeneros e “malucos” de toda a espécie lotam os programas de televisão, todo mundo quer ver como eles são, quase como se fossem uma espécie de animal exótico, mas quantos querem este exotismo dentro de casa?

Fiquem atentos de que quando comparo a “cura Gay” com a volta dos manicômios, não comparo a condição da homossexualidade com doença mental, de forma alguma. Na verdade, eu comparo a reação apaixonada que tanto a homossexualidade e a doença mental desencadeiam na sociedade deste todos os tempos.

As sociedades muitas vezes se definem muito mais pela exclusão do que pela inclusão. O que não deixa de ser divertido, já que em um pais tão preconceituoso como o Brasil, somos mais conhecidos por causa do Pelé e do Carnaval, ambos negros e de origem pobre, do que por qualquer outra coisa.

O diferente até pode existir como fator exótico e recreativo, já que homossexuais, transgeneros e “malucos” recheiam os programas de comedia e piadas de todo o tipo, o que se encobre é que enquanto eles forem exóticos e excluídos da possibilidade de uma vida normal e corriqueira, tudo bem, o problema começa quando os estereótipos são abandonados e surge um ser humano, ai cruzam-se as barreiras do aceitável.

A situação não é muito diferente em relação à pobreza e à miséria que assolam este país, e todas as consequências que isto trás: exclusão social, preconceito.


Somos uma sociedade moderna cheia de tabus e superstições. Acredita-se que se os homossexuais expuserem seus parceiros do mesmo sexo em público, causarão um “contagio” maciço! Já os “malucos”, ah, os “malucos” vão me lembrar o tempo todo que o inconsciente existe, e pior, que isto pode acontecer a qualquer um, até comigo, já que todos estamos sujeitos a uma depressão, um surto, ou um simples ataque de fúria no transito que poderá destruir nossas vidas para sempre – Quem nunca teve um resquício de fantasia homicida, de vingança, ou pelo menos sádica no transito infernal de São Paulo?


Em mais de 30 anos de pratica clínica, nunca recebi um homossexual querendo deixar de sê-lo, nem ouvi isso de nenhum de meus amigos gays, que são muitos, mas com certeza ouvi muitos lamentos e angustias sobre seus destinos:

- O que vai ser de mim se meus pais descobrirem e me expulsarem de casa?

- Será que vou conseguir um emprego?

- Minha vida seria mais fácil se eu fosse “igual” a todo mundo...

- Como os outros vão reagir?

- Acho que e’ melhor ser discreto, e fingir que não sou diferente, assim não causo problemas...


O que eu já vi em minha pratica clinica foram famílias pedindo para que seus filhos fossem “curados”, patrões exigindo que seus empregados homossexuais fossem discretos para não “desvirtuar” o ambiente de trabalho, e muita gente fingindo que não vê.


Quando não aceito o outro como diferente, não aceito o que há de diferente em mim mesma, crio auto preconceitos contra meu próprio ser, mais popularmente conhecido como baixa autoestima ou crise de auto imagem.


Ver e ser visto faz parte da condição humana, eu só existo quando sou visto e reconhecido pelo outro – as redes sociais confirmam isso, não é? então negar ao outro o direito de ser visto e reconhecido é como negar a própria existência de alguém, o que é, no mínimo, de uma crueldade inimaginável!


Alguém já experimentou ignorar alguém? Ou já foi ignorado desse jeito? Dói não e’?


A exposição que alguns consideram excessiva pela mídia faz apenas o contraponto,

quem antes andava escondido, hoje quer ser visto.


O mesmo aconteceu com a doença mental, com os deficientes de vários tipos, que não podiam sair de casa nem serem “apresentados” à sociedade.

Não sei se hoje temos mais homossexuais, mais “bipolares”, mais “depressivos”, mais “síndrome de Down” e autistas do que antes, o que eu sei é que hoje eles não andam mais escondidos, estão expostos e ocupando os espaços públicos, que, se é público, é de todos, não?

E tem muita gente incomodada, e como tem! A ponto de ficarem brincando de mudar as leis... isso sem se falar no dinheiro que isto vai render, aos que ousam se chamar psicólogos e que propagam a cura gay, já que são uma minoria restrita a alguns clãs, e que terão seus consultórios (talvez...) lotados de gays encaminhados para tratamento(???!!!) – porque acredito que a demanda pela cura gay é, na melhor das hipóteses, uma tentativa desesperada de inserção social numa sociedade que dita regras abusivas de vários tipos. Creio que a sociedade em si é que está doente, não?

Já aos futuros, ou talvez inadimplentes donos de manicômios, estes facilmente poderão resgatar o conceito de deposito de sub-gente (que é como os doentes mentais foram considerados por muito tempo, duvidando-se até se tinham alma!), e já que são sub-humanos, podem ser tratados como tal, sai baratinho, baratinho, e muita gente sai lucrando com isso, já que não é preciso nem investir em profissionais qualificados.

Tem cheiro de propina no ar, ou de pelo menos a perspectiva de um expressivo lucro financeiro rondando não só a volta dos manicômios, como a própria cura gay.


Minha pergunta é: Quem vai lucrar com isso? Com certeza nem os gays, nem os doentes mentais, que são a verdadeira parte interessada e que tem sido tratados como moeda barata de troca desde os primórdios da história.

[1] Para saber mais sobre a exposição, e sobre a Dra. Nise da Silveira, siga o link

www.itaucultural.org.br/ocupacao-nise-da-silveira

A foto foi retirada do seguinte artigo, cuja leitura recomendo:

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/mg/2013-07-12/holocausto-brasileiro-60-mil-morreram-em-manicomio-de-minas-gerais.html

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