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A perfeição e a agressão nas redes sociais: realidades controversas

Nunca foi tão fácil maquiar a própria aparência. Porém, vivemos tempos que há quem acredite que é possível ser mal educado, desrespeitoso e cruel sem que se revide.

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O paradoxo faz parte da vida, porém lidar com os paradoxos é fundamental para viver uma vida que contemple pelo menos um certo equilíbrio. As aparências, ou a Persona pessoal e social sempre existiram e foram cultivadas desde há muito tempo, e hoje se consolidaram de uma maneira, no mínimo, inusitada, através das redes sociais. 

Parecer mais rico, mais bonito, culto ou o que quer que se dê valor num determinado momento, sempre foi objeto de desejo. Sempre se desejou ascender de classe social, financeira ou estabelecer-se numa situação de poder e prestigio, e nem sempre os meios justificaram os fins, eticamente falando. 

Atualmente, porém, este desejo de “parecer” melhor do que se é está mais acessível, graças à popularidade das redes sociais. “Maquiar” a própria aparência e realidade nunca foi tão fácil e tão acessível a tantos, de forma tão democrática, afinal, basta um smartphone e quase nenhuma habilidade para se melhorar uma foto, criar uma ilusão de viagem dos sonhos ou de relacionamentos perfeitos.

 

A realidade, porém, se contrapõe. Nunca fomos tão felizes e bem-sucedidos, aparentemente falando, e tão deprimidos e insatisfeitos na realidade.As imagens perfeitas geradas nas redes sociais parecem encobrir feridas cada vez mais profundas, de desamor, de abandono, de inveja da perfeição fictícia da vida alheia, e mesmo a crueldade presente em várias situações pessoais e sociais.  

Novo fator de relacionamento

As últimas eleições acrescentaram um novo fator de relacionamento nas redes sociais, que antes permanecia nas sombras, no bullying digital inbox. Hoje a agressividade parece estar socialmente legitimada por figuras de poder governamentais e pela factoide liberdade de expressão, em que expressões de ódio e de agressividade de todos os tipos parecem ter sido legitimadas por grande parte da população. 

A internet deixou de ser um lugar onde se exibiam as melhores qualidades de cada um, fossem estas reais ou não, e passou a ser um lugar onde a sombra passou a se expor da maneira mais explícita possível. 

Se antes a internet era um lugar de exposição da Persona pessoal e social, hoje virou palco da Sombra pessoal, social e cultural em que vivemos. Me parece que a Sombra está assumindo o papel da Persona, passando a fazer parte da primeira impressão que se deixa nas pessoas. 

Jung diz que a Persona é a maneira como somos vistos no mundo, através dos vários papeis que exercemos em nossa vida pessoal e profissional, e que uma persona flexível e saudável é fundamental para que possamos alternar os papeis que a vida exige de nós, permitindo que integremos nossa Sombra. 

Jung diz que a Sombra carrega aspectos de nosso inconsciente pessoal e coletivo, contemplando a sombra familiar, social e cultural, e que esta precisa ser integrada e conscientizada, para que caminhemos rumo ao processo de individuação. 

Ora, o que faremos neste momento cultural onde a Sombra assume ares de Persona, tomando a frente de nossos comportamentos, não só nas redes sociais, onde normalmente as pessoas tentavam esconder seu “pior” lado, como na vida “real”? Como lidar com situações onde todos falam o que pensam, sem se preocupar com a crítica alheia ou com a crítica social? 

A importância do modelo ético

Uma sociedade só pode existir onde há um comportamento ético a ser seguido, e penso num raciocínio ético dos mais simples e mais eficazes que aprendi quando criança: “trate aos outros como gostaria de ser tratado”. Pessoas que se tratam mal não me causam espanto, comportamentos desrespeitosos também não, afinal, não tenho nem idade nem ingenuidade para acreditar que estas coisas não acontecem. No entanto, me espanta a surpresa despertada por pessoas que tratam mal aos outros e esperam que os outros não revidem. 

Vivemos tempos que há quem acredite que é possível ser mal educado, desrespeitoso e cruel sem que se revide. O mal não só acredita que pode ficar impune, mas que deve ser aceito sem restrições, e que a ética e os bons modos são obrigação alheia, apenas.

Vivemos um momento em que a autocrítica nunca foi tão necessária. O mito do amor incondicional precisa ser quebrado, pois é ingênuo e irracional. Toda relação afetiva obedece às leis do respeito e da reciprocidade, e quem quebra esta regra está sujeito ou ao abandono ou à perpetuação de uma relação abusiva, na que o poder sobrepuja o afeto, e onde não há possibilidade de crescimento para nenhuma das partes.

O mito do brasileiro como um ser cordial caiu por terra. Hoje devemos encarar a realidade de nossa própria agressividade, deslealdade e falta de ética, que, aliás, sempre permeou o “jeitinho brasileiro”.  

Quando a Sombra se expõe de forma tão vigorosa quanto vimos nos últimos tempos, temos a impressão de que tudo está perdido, de que nada será como antes. De fato, nada será como antes, uma vez encarada a realidade da Sombra, só nos resta analisa-la, encara-la e decidir quais aspectos devem ser transformados e integrados. 

Porém uma coisa certa, não dá mais para voltar atrás e reassumir a imagem do brasileiro cordial, esta ruiu e jamais voltará a ser o que era antes. A cordialidade “de persona” já não tem mais credibilidade, precisa integrar sua própria raiva, inferioridade e “esperteza”, se quiser recuperar algum traço de gentileza verdadeira.

Solange Bertolotto Schneider

(Todos os direitos reservados)

Texto originalmente publicado no site Mundopsicologos.com

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