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A importância dos mitos e contos de fadas

Jung divergiu de Freud ao considerar que o Mito de Édipo, o mais famoso da Psicanálise Freudiana, era apenas um dos inúmeros mitos que retratavam a complexidade dos conflitos da mente humana, passando a pesquisar e estudar mitos e contos de fadas de varias origens e épocas, sempre com a incessante colaboração de Marie Louise Von Franz.

Os filósofos da antiguidade, como Sócrates e Platão, utilizam mitos para ilustrar seus pensamentos filosóficos, como o famoso Mito da Caverna, e vários outros  mitos que as religiões de vários povos cultivaram.

Mito da Caverna Platao

Mito da Caverna, Platão

Jung percebeu que mitos e contos de fadas apresentavam motivos arquetípicos, como a jornada do herói, a redenção, a morte do velho rei, a ausência da mãe, a presença da bruxa, e a criança divina, todos motivos arquetípicos inerentes à condição humana.

Jung observou que alguns mitos sobreviviam ao tempo, e desenvolveu o conceito de inconsciente coletivo, onde padrões de comportamento universais se repetiam em vários povos de varias culturas, mesmo que estes não tivessem interagido entre si.

Carl Gustav Jung and Marie-Louise von Franz

Marie Louise Von Franz & Carl Gustav Jung

Hospital Burgholzli

Hospital Bürghölzli

Jung percebeu que vários motivos observados nos sonhos, desenhos, pinturas e delírios de seus pacientes, tratados no Hospital Bürghölzli tinham correlação com mitos oriundos de culturas antigas, os quais seus pacientes não poderiam ter conhecimento prévio. Estas imagens simbólicas, quando estudadas, traziam sentido aos delírios desconexos de seus pacientes, ajudando na compreensão e tratamento dos casos clínicos tantas vezes considerados incuráveis.

A narrativa dos pacientes esquizofrênicos se assemelhava à narrativa de mitos e contos de fadas, servindo-se de imagens simbólicas para expressar os conteúdos do inconsciente.

Os pacientes estavam contando uma história, sua própria história, porém de uma maneira simbólica, e só poderiam ser compreendidos através da amplificação simbólica das imagens e motivos místicos apresentados, o que demandava uma grande pesquisa sobre mitos e culturas antigas, desenvolvendo-se desde então, o estudo aprofundado da importância e do significado destes símbolos para que este material arquetípico pudesse ser compreendido.

Mitos e contos de fada passaram a ter uma importância crucial na compreensão dos clientes, assim como a expressão visual das imagens do inconsciente, tão bem representadas no Brasil por Nise da Silveira, e largamente praticada por Jung e seus seguidores.

 Talvez o ato de contar histórias seja o mais antigo entre as civilizações do mundo todo. Reunir-se em volta da fogueira, em frente à lareira, ou até mesmo colocar as cadeiras na calçada numa noite de verão para conversar com os vizinhos, são todos comportamentos característicos do ser humano em todos os tempos. Contar estórias, verificas ou não, sempre foi uma forma não só de entretenimento, como de inserção social.

Ainda nos dias de hoje, conservamos o mesmo habito, pois o ritual diário de consultar e se expor nas redes sociais é, em parte, muito semelhante ao de nossos antepassados, já que continuamos a contar histórias que misturam ficção e realidade, como os próprios mitos, contos de fada e folclore sempre fizeram. Dados de realidade são complementados, enfeitados, exagerados, destacados, recebendo uma grande carga de teor emocional, nos mobilizando e entretendo.

As estórias contadas nas redes sociais, ainda que fragmentadas, vão tecendo a teia dos mitos individuais de cada um de nós, podendo inclusive ajudar a traçar um perfil deste indivíduo, tanto psicológico quanto social, tornando-se inclusive uma grande ferramenta de marketing.

Marie Louise Von Franz dedicou sua vida ao estudo e à pesquisa de mitos e contos de fadas, comparando as varias versões que surgiram e foram sendo incorporadas umas às outras, sendo capaz de analisar e identificar o momento histórico e cultural em particular em que foram criados e modificados.

Von Franz observou, durante os vários anos de colaboração com Jung, que os mitos e contos de fadas que se perpetuam em nosso imaginário são aqueles que apresentam conteúdos simbólicos arquetípicos, que necessitam ser elaborados e conscientizados por uma determinada cultura ou num determinado momento histórico.

Estudar o folclore de um povo, seus mitos, contos e ritos religiosos é fundamental para a compreensão do indivíduo, pois todo indivíduo é, ao mesmo tempo, parte integrante e representante de uma cultura especifica.

Temos a ilusão de que algumas culturas são mais “puras” ou intactas do que outras, no entanto, desde que o mundo é mundo, indivíduos migraram pelas mais diversas razões, entrando em contato com outros povos e culturas. Povos geograficamente isolados, sem contato com nenhum outro povo, nem por isso deixaram de imaginar a existência de outros povos e culturas, ou pelo menos sobre a vida após a morte.

 Muitas religiões foram criadas através de mitos criação, na tentativa de se explicar a origem da vida na Terra, desenvolvendo ritos e mitos para tentar se conectar com uma divindade suprema ou com as divindades de seu panteão religioso.

Os personagens destas estórias mitológicas, ou melhor dizendo, arquetípicas, ilustram diversos modos de comportamento, criação e resolução de conflitos, não são modelos a serem seguidos, mas sim um convite à análise de nossas próprias vidas e comportamentos, muitas vezes padronizados, menos “personalizados” do que a maioria dos objetos de desejo de consumo que temos.

Todo ser humano deseja se sentir único, e de fato o é, mas para exercer plenamente esta individualidade característica do que Carl Gustav Jung descreveu como o processo de individuação, é preciso sair do piloto automático.

Nem tudo o que um cliente traz de queixa ao consultório é neurose, às vezes é apenas uma adaptação exagerada à sociedade, à cultura ou família onde está inserido, e uma breve reflexão a respeito de um determinado comportamento pode nos libertar de um padrão seguido inconscientemente, perpetuado apenas pela força do habito, uma espécie de “inércia de movimento psíquica”, pegando emprestado um termo da Lei da Física.

Não devemos seguir os mitos e contos de fada ao pé da letra, mas sim analisar o momento histórico e valores culturais da época que este foi criado em relação ao momento em que vivemos.

Precisamos analisar os detalhes da ação, da intenção, do enredo, do cenário, a problemática descrita, o desenrolar da ação e a conclusão, como fazemos ao interpretar sonhos.  Nos mitos e contos de fada, assim como na vida, há sempre uma parte da história que é misteriosa e precisa ser desvendada.

A vida exibida nas redes sociais talvez seja nosso mito moderno, nosso conto de fadas atual, já que bruxas, princesas, vilões, heróis e tramas, muitas vezes perversas, estão ao nosso dispor todos os dias, e cada um de nós escolhe acompanhar o símbolo arquetípico mais necessário ao próprio processo de individuação.  

Solange Bertolotto Schneider

 

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