Reality Show – mundo virtual e a vida como ela é[1]
Em tempos de Big Brother Brasil[2], a polemica sobre a exposição na mídia e nas redes sociais fica ainda mais forte.
A exposição social, no entanto, navega entre as polaridades da persona e da sombra, passeando pelas neuroses, perversões e
distúrbios de caráter. Nos tornamos expectadores de situações em que complexos carregados de emoção são ativados
(tanto na mídia quanto na audiência), e acabamos nos tornando coadjuvantes de um experimento social onde não se sabe
quais critérios éticos são adotados, além do apelo à audiência.
Alias, o apelo pela audiência não se dá apenas nos realities shows, mas todos nós, de certa forma, estamos em busca
de audiência, inclusive eu enquanto escrevo este texto.
Escritores querem leitores, instagramears e facebookers querem likes e seguidores, assim como os usuários de toda e
qualquer mídia social, mas o que queremos é de fato o que alcançamos?
Quando postamos algo, participamos de alguma entrevista, aula presencial ou webinar estamos expostos.
Expomos conscientemente o que queremos, a persona cuidadosamente escolhida para a ocasião, mas a sombra é exposta
junto, independentemente de nossa vontade, por mais esforço que façamos, aliás, quanto mais esforço em esconder a
sombra, mais escancarada ela fica.
Jung diz que a sombra é vista com mais facilidade pelos outros do que por nós mesmos, e eu digo que as redes sociais e
inúmeros programas de televisão estão aí pra confirmar isto diariamente.
Ter seguidores e ser popular não implica necessariamente que estamos certos, mas sim de que há pessoas que se identificam
com o que falamos ou fazemos. O sentimento de pertencer a um determinado grupo ou de encontrar interlocutores que
pensem como eu me dá uma sensação de pertencimento, afinal, somos seres sociais e queremos pertencer a um grupo
que nos acolha e que nos trate como iguais, no entanto, isto não quer dizer que estejamos certos.
Fenômenos observados em reality shows são comuns de se observar em empresas, escolas, famílias, grupos terapêuticos e
religiosos, fazem parte da natureza humana. Junta-se o agravante de um cenário meticulosamente construído para causar
a sensação de desconforto e desorientação que vemos no programa atual, além do confinamento entre pessoas que muito
provavelmente jamais estariam convivendo em grupo por livre e espontânea vontade, damos margem a que o pior de cada
um se manifeste, já que o melhor de cada um parece ser sufocado pelos jogos, intrigas e agressões ativas e passivo-agressivas
que se podem observar o tempo todo, inclusive nas plataformas sociais ditas profissionais.
Às vezes tenho a sensação de que o mundo foi divido em duas grandes torcidas, os contra e os a favor, e vejo pessoas
abraçando causas em defesa ou em combate a alguma ideia como uma paixão desenfreada. Devemos sempre nos lembrar
que toda paixão tem escolhas baseadas em aspectos conscientes, assim como escolhas baseadas em projeções inconscientes.
Situações de stress, de um modo geral, ativam nossos complexos e traumas anteriores, além de desencadear novos traumas
e novos complexos, no entanto, precisamos recordar que em experimentos sociais tipo Big Brother, efetuados entre grupos
de universitários de alta performance também tiveram resultados de convivência e de agressividade e subjugação alarmantes[3]
Não me sinto confortável para analisar indivíduos que não estão oficialmente sob meus cuidados, e gostaria de ressaltar que
diante de tal situação, indivíduos que em situações corriqueiras teriam um comportamento social provavelmente mais
adequado, deixam de tê-lo, e indivíduos que já possuem a tendencia a explosões de raiva, um padrão passivo-agressivo,
de abuso autoridade, de manipulação ou de exercer comportamentos sádico-masoquistas possivelmente terão este
comportamento exacerbado pelas situações de competição e de stress a que são expostos.
Papeis de liderança e de eminencia parda (termo técnico utilizado em Psicologia Organizacional, quando alguém atua nos
bastidores, exercendo secretamente o poder) se alternam entre comportamentos positivos ou toxico, no entanto, na situação
de um experimento como o deste reality, que comparo aos de Milgram e de Stanford, guardadas as devidas proporções,
são muito mais afeitos a desencadear comportamentos tóxicos do que saudáveis ou colaborativos, afinal, não podemos nos
esquecer que é uma competição com um substancial premio em dinheiro e em contratos e trabalho.
Nesta situação, mesmo lideranças e eminências pardas criativas tendem a ser sufocadas, afinal, discórdia dá muito mais
visibilidade.
Sabemos que fake News e fofocadas tendem a ser muito mais visualizadas e compartilhadas do que notícias boas, jornais e
tabloides de quinta categoria sempre investiram nisso, e talvez esta seja a razão do programa estar ficando cada vez mais
perigoso para a saúde mental dos participantes e dos telespectadores, ano após ano.
Não consigo deixar de pensar o que Nelson Rodrigues diria de tudo isso, será que ele consideraria estes personagens reais
um plágio de seus personagens fictícios, ou seria o contrário?
Referencias Bibliográficas
CW3 – Psychogenesis of Mental Diseases
CW7 – Two Essays of Analytical Psychology
CW9.1 – A Natureza da Psique
Gaiarsa, Angelo – Tratado Geral da Fofoca
Milgram, Stanley (1963) Behavioral study of obedience, Journal of Abnormal and Social Psychology, 67, 371-78.
Filmes
The Stanford Prison Experiment – 2015 – direção de Kyle Patrick Alvarez
A Onda – filme de 2008 – Direção de Dennis Gansel
[1]O título deste artigo faz referência à grande obra do dramaturgo Nelson Rodrigues - A vida como ela é
[2] Reality show realizado pela Rede Globo de Televisão, e que apesar de todas as criticas negativas e polemicas levantadas,
já está na sua vigésima primeira edição. Outros realities são considerados nesta análise, embora não tenham sido citados
neste texto.
[3] Experimento de Milgram e Experimento de Stanford